4 de outubro de 2024

OPINIÃO: mídia e a estratégia de inflar adversário menos ‘perigoso’

Angelo Poletto Mendes/Redação JC

Às vésperas das eleições municipais deste domingo (06/10), que definirá os nomes dos dois candidatos que devem disputar o provável segundo turno à Prefeitura de Florianópolis, em 27/10, fica evidente mais uma vez, uma postura da mídia mainstream na cobertura do pleito, que já atravessa décadas, desde a primeira eleição presidencial após a redemocratização, em 1989.
Não bastasse evidenciar suas preferências políticas desde a fase de pré-candidaturas e, após a homologação dos candidatos – quando a legislação impõem algumas regras para impedir a exposição desproporcional – abusar das chicanas jornalísticas para ainda proporcionar vantagens aquele ungido pela classe dirigente que representa, a mídia corporativa não se constrange de trabalhar também para escolher o seu adversário, naturalmente aquele que presume com menos chances de vitória sobre o seu representante.
Para pontuar, um exemplo recente: nas eleições de 2022, era sabido que o adversário mais competitivo do atual governador  Jorginho Mello, que poderia efetivamente derrotá-lo, era o ex-governador Carlos Moisés. Não só por estar governador, à época, mas pela penetração que detinha no campo conservador, além da simpatia natural do campo popular que poderia contar pela contraposição a um candidato assumidamente bolsonarista, lhe proporcionando um robusto estofo eleitoral.
Ungido pela mídia na reta final, por ser considerado um adversário mais frágil e com chances minúsculas de vitória, quem acabou indo para o segundo turno e para o previsível abate final foi o petista Décio Lima. A culpa pela derrota não pode ser atribuída, claro, apenas ao seu nome, mas às características do eleitorado catarinense, de absoluto predomínio conservador, sob comando de castas há décadas, com o dedicado suporte midiático.
À época, essa chance de impedir a ascensão do bolsonarismo-raiz à gestão estadual não pode ser sequer lamentada pelo campo popular ou mesmo de centro-esquerda porque, num cenário nacional conturbado, estava em jogo uma disputa muitíssimo mais importante, que culminou com a vitória do campo popular e do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo com a derrota certa de Lima, sua chegada ao segundo turno ajudou a alavancar importantes votos que poderiam fazer falta para derrotar a extrema-direita no âmbito nacional.
Nas eleições deste ano, na capital, novamente é notória a atuação da mídia corporativa nesse sentido. Diante da possibilidade de não acontecer em primeiro turno a vitória do candidato à reeleição Topázio Neto –  representante natural da classe dirigente e, por consequência, da mídia hegemônica – ela trabalha intensamente para definir o seu adversário, buscando um nome que acredita menos complicado de derrotar. Apesar da nominata extensa, com nove candidaturas, é sabido que apenas cinco tem efetivamente densidade eleitoral e, destas, apenas três, competem realmente à conquista da Prefeitura.
Salvo engano, brigam para disputar o segundo turno com o preferido da classe dirigente Topázio (líder nas pesquisas), apenas as candidaturas do ex-prefeito Dário Berger (PSDB) e do atual deputado estadual Marquito (PSol). Os outros dois detentores de boa densidade eleitoral, Pedrão (PP) e Lela (PT), tendem a correm por fora, e brigar pela quarta posição no pleito eleitoral, embora também tenham crescido na reta final. Seus desempenhos, no entanto, também são vitais para suas trajetórias e para a própria decretação do segundo turno. Depois, seus ‘passes’ tendem a ser disputados pelos dois remanescentes.
Dário é explicitamente reconhecido por expoentes do conservadorismo local como mais perigoso às pretensões do atual mandatário e da classe dirigente. Não por acaso tentaram empurrá-lo até o último minuto para a disputa na vizinha São José. Isso porque, embora atualmente milite ao centro e recentemente tenha flertado com o campo popular (em 2022, apoiou Lula), no tempo em que foi prefeito militava à direita e, portanto, também desfruta de penetração no eleitorado conservador, principal trunfo de Topázio. Num mata-mata, contaria naturalmente também com o apoio do eleitorado do campo popular para derrotar o atual prefeito.
Diante dessa realidade inexpugnável, a mídia trabalhou intensamente nas últimas semanas para enfraquecer a candidatura do ex-prefeito, seja plantando notas sorrateiras em colunas políticas, seja por extensos e ardilosos artigos e comentários maliciosos, tentando tirar a visibilidade de Dário. Por outro lado, com sutileza, poupa de críticas a candidatura Marquito, considerado pela mídia mainstream pretensamente mais eu fácil de derrotar por seu trânsito inteiramente no campo popular e aderência quase nula junto à classe dirigente.
A meta, flagrante, é conseguir oferecer a Topázio um adversário que julgam de menor musculatura, que não consiga romper a casca do campo conservador, facilitando a vida do candidato à reeleição. Com perfil jovem, políticas mais centradas no meio-ambiente, e ainda uma longa carreira pela frente – uma ‘derrota honrosa’ em segundo turno não afetaria sua trajetória – Marquito se encaixa no perfil de adversário preferido pela classe dirigente da cidade e, por isso, vem sendo poupado de críticas mais contundentes pela mídia local.
Ex-prefeito por duas vezes, com um cabedal de obras importantes na cidade, e o mais temido como adversário, Dário pode conseguir romper essa escudo midiático e chegar ao segundo turno? Tem potencial para isso, mas se o estratagema midiático mais uma vez funcionar e a disputa couber a Marquito, a vitória de Topázio mesmo assim não pode ser dada como favas contadas. O feitiço ainda poderá se virar contra o feiticeiro, porque ao contrário de postulantes de eleições anteriores, Marquito tem patrimônio inquestionável: juventude, carisma político e, principalmente, voto.
Não por acaso, foi o vereador mais votado nas eleições de 2020 e, em 2022, tornou-se o primeiro deputado estadual da história do PSol. Claro que a possibilidade de derrotar o ‘sistema’ será uma parada indigesta, porque além da dificuldade natural de angariar votos necessários entre os demais derrotados – exceto Lela e o PT, que devem apoiá-lo naturalmente – Marquito conhecerá no segundo turno a verdadeira face da mídia corporativa, que não será mais a desse gentil cordeirinho que exibiu até agora e trabalhará incessantemente para desconstruir sua candidatura até o embate final.

FOTO-LEGENDA
Da esquerda para a direita, os candidatos Topázio, Portanova, Marquito, Lela, Dário e Pedrão.  Entre eles, ao centro, os três jornalistas da NSC TV condutores do debate.
(Foto cedida: Lucas Amorelli/Diário Catarinense/Divulgação/JC)
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