Angelo Poletto Mendes/Redação JC
Em meio aos novos desafios da crise climática, que deve impor a adoção de novos paradigmas na gestão ambiental nos estados e municípios, Florianópolis corre o risco de ampliar ainda mais sua vulnerabilidade, por conta de um polêmico Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que tramita no Senado Federal. Denominado PEC da Extinção dos Terrenos de Marinha e já apelidado de projeto de ‘privatização das praias’, sob protesto de alguns expoentes da classe dirigente local, a proposta defende a retirada do domínio da União sobre os imóveis da zona costeira, conhecidos como ‘terrenos de marinha’, transferindo sua propriedade para estados e municípios.
Os terrenos de marinha são áreas públicas que margeiam o mar, rios, lagos e lagoas. Sob a bandeira da extinção da cobrança de taxas da União para ocupantes ou cessionários dessas áreas, vista com simpatia por muitos, a proposta vai muito além e tem potencial de se transformar numa verdadeira bomba para as populações de municípios litorâneos como Florianópolis, dotados de valiosa costa marítima. “A proposta não privatiza a praia. Ela permite que prefeitos e governadores regularizem a participação da iniciativa privada. Logo ela é a porta para a privatização”, assinala o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Com a transferência, a ocupação dessas áreas acabaria sendo abarcada até mesmo pelos planos diretores municipais, ficando os licenciamentos ambientais para projetos imobiliários por sua vez restritos ao aval dos órgãos municipais e estaduais – no caso do estado e Florianópolis, por IMA e Floram – entidades cujo poder decisório é atrelado diretamente aos governantes. Eventuais imbróglios sobre projetos imobiliários por sua vez passariam à alçada da Justiça estadual e não mais à federal.
A proposta, conforme o biólogo, além de danosa à preservação ambiental, tem potencial para criar nichos privados nas praias brasileiras. Realidade que, a rigor, já existe em muitos lugares da costa brasileira, que abrigam condomínios residenciais, hotéis e resorts restritos. Em Florianópolis, mesmo praias que integram unidades de conservação, como Lagoinha do Leste e Naufragados, entre outras, provavelmente não ficariam imunes. Até a paradisíaca e cobiçada Ilha do Campeche estaria vulnerável à nova legislação. “Só isso que falta para crucificar Florianópolis”, lamenta o ex-presidente da Associação de Moradores do Campeche, Ataíde Silva.
O prefeito da capital, Topázio Neto, acredita, no entanto, que a proposta estaria sendo mal interpretada e seus reflexos exagerados. “Praia, seja oceânica ou de rio, é propriedade da União. Ninguém pode ser dono de praia. Qualquer cidadão pode ir a qualquer praia do Brasil. A PEC não trata de questões ambientais, só da propriedade”, argumentou, em declaração divulgada na mídia local. Arguindo questões ambientais, econômicas e sociais, a Secretaria do Patrimônio da União já se posicionou inteiramente contrária à proposta que, se prosperar, possivelmente acabará passando ao crivo do STF. (Foto: MundoMar/Divulgação/Arquivo/JC)