Angelo Poletto Mendes/Redação JC
Apesar da acachapante vitória, de sua inevitável confirmação em segunda votação na Câmara e da sanção do prefeito da capital, a entrada em vigor do Projeto de Lei Complementar 1911/2022 (projeto revisional do plano diretor) não é jogo jogado e pode acabar judicializada. Isso porque paira sobre o projeto uma recomendação de interrupção de sua discussão, expedida pelo Ministério Público Federal (MPF), para análise dos riscos e efeitos ambientais das alterações propostas sobre as unidades de conservação federais na capital.
O documento foi encaminhado pela procuradora da República, Analúcia Hartmann, ao presidente da Câmara, João Cobalchini, no dia 17/03, causando grande alvoroço na cidade. Sob pressão do governo municipal, classe dirigente da cidade e segmentos da mídia, a Câmara foi instada a comprar a briga e ignorar a ‘recomendação’, o que acabou ocorrendo de fato, com a primeira votação do projeto acontecendo no dia 22/03.
Cobalchini garante, contudo, que a decisão de encaminhar o projeto à votação se deu em caráter técnico e colegiado da mesa diretora, – integralmente de base governista -, após parecer positivo da Procuradoria da Câmara. Ademais, conforme ele, o expediente do MPF não teria chegado à Casa pelo rito formal. “Chegou apenas por email, como uma recomendação; não é uma ordem judicial”, argumentou.
RECURSO – Em entrevista a rádio CNB Diário (Grupo NCS), no dia 22/03, a procuradora Analúcia Hartmann já avisou, no entanto, que vai recorrer a Justiça. “Infelizmente, não resta outra alternativa que não seja a judicialização’, declarou . Conforme ela, muitas inconsistências pairam sobre o projeto na questão ambiental. “Chegaram ao MPF análises feitas por 14 técnicos da Floram contrários ao ante-projeto de lei do novo plano diretor, ao contrário do que disse a superintendente da Floram, o que já é uma contradição muito complicada”, afirmou.
“Esses técnicos apontam uma série de problemas muito sérios; risco por exemplo de novos zoneamentos que permitem a utilização de altas declividades; e a gente sabe que com o volume de chuvas muito grande essas altas declividades se transformam em grandes tragédias, a gente viu isso há pouco tempo’, explicou. Informações oriundas de órgãos federais, como Ibama e ICMBio, especialmente das chefias das unidades de conservação na Ilha, de acordo com ela, também vão nesse sentido. “Esse projeto promove adensamento de ocupações e usos em áreas frágeis ambientalmente, áreas que fazem parte das bacias hidrográficas dos manguezais de Ratones, da Costeira do Pirajubaé e da Tapera”, afirmou.
Analúcia ressaltou que o MPF vai se ater ao que lhe cabe, do ponto de vista legal, que é a proteção das unidades de conservação, mas não poupou críticas gerais ao projeto revisional, contestando praticamente todos os pontos que fazem a narrativa teórica de defesa do projeto. Acerca de sua pretensa força para acabar com a informalidade, disse: “o que resolve isso é o estado presente, fiscalizando”. Acerca das ‘centralidades’, disse que na prática ela já existe de fato, e não precisaria de uma política específica de incentivo.
Rechaçou a tese de que o texto seja fruto de sete anos de discussões. “Essa discussão começou na verdade no ano passado”. Sobre incentivos à moradia popular, considerou salutar, desde que haja projetos nesse sentido, “o que não existe na cidade há muitos anos”. Criticou a ausência de estudos de suporte estrutural para o adensamento proposto, entre outros pontos, e a própria efetividade das audiências. “Esse plano existe, na verdade, para propiciar maior pressão imobiliária na cidade”, disparou.
O projeto revisório é alvo de polêmica desde o início, no final de 2021, quando o ex-prefeito Gean tentou votar a toque de caixa um texto originário do Executivo. Em meados de 2022, sob Topázio, aconteceram 13 audiências sobre as quais também pairam muitas críticas, principalmente a falta de aderência das propostas populares. No final de 2022, desembarcou por fim na Câmara, que encampou outras quatro mini-audiências dentro do próprio Parlamento, realizadas na semana do Carnaval, e uma última, no dia 13/03, na Assembleia, interrompida após protestos de grupos contrário ao projeto. (Foto: Rony Costa/Divulgação/Arquivo/JC)