Angelo Poletto Mendes/Redação JC
A mobilização de moradores do Sul da Ilha acaba de resultar numa vitória emblemática, mesmo que provisória, que pode se tornar referência para as lutas comunitárias da própria capital, em defesa do meio-ambiente. Graças a protestos diários, denúncias a órgãos ambientais, Ministério Público, Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e até Polícia Federal, que repercutiram em âmbito nacional, no final de junho foi suspensa licença e embargado loteamento com mais de 90 mil metros quadrados entre Praia dos Açores e Costa de Dentro, no extremo-sul da Ilha.
O embargo efetivo veio pelo reconhecimento da existência de resquícios líticos no local. Mas a área abriga também, segundo biólogos, remanescentes cursos d’água e é considerada vital para o ecossistema e abastecimento de água da região. O que repercutiu nacionalmente e gerou muita revolta, no entanto, foi o ‘manejo’ açodado e desastrado do meio-ambiente, com a devastação sumária de vários hectares de restingas, causando a mortandade de animais silvestres, aterramento de paleo-lagoas e de rudimentos arqueológicos.
“Veio um aparato incomum, nefasto, destruidor. Em uma semana, eles destruíram duas grandes glebas de terra com matas nativas, com restinga, com animais silvestres, todos apavorados, saguis, tucanos, correndo para as nossas residências”, contou Eugênio Luiz Gonçalves, presidente do Conselho Comunitário da Costa de Dentro (Coden). Após a mobilização, que envolveu vários atos e até um abraço simbólico da área, o Iphan decretou o embargo do empreendimento e o Instituto de Meio-Ambiente estadual (IMA) logo em seguida cassou suas licenças.
O local é alvo há muitos anos da tentativa de implantação de um
projeto de loteamento, com mais de 200 lotes, que vem enfrentando diversas idas e vindas em termos de licenciamento. Eugênio ressalta que a importância do local vai muito além dos sítios arqueológicos. A área funciona também como esponja para a retenção das águas da chuva e é ponto de recarga do lençol freático Costa dos Açores, cuja água abastece centenas de residências da Praia dos Açores, Costa de Dentro, Pântano do Sul e Praia da Solidão, complementando o próprio sistema de abastecimento do Sul da Ilha.
“A gente está numa mesma bacia hidrográfica, qualquer contaminação desse ecossistema vai impactar na Lagoa do Peri e nos demais lençóis freáticos, que hoje são cruciais para o abastecimento da região”. Para viabilizar o empreendimento, que contempla um projeto hidrassanitário complicado, seria necessário no mínimo um EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), entende o dirigente. No dia 05/07, teria chegado à Justiça Federal ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal. A coletividade local quer, além do embargo total da obra, a adoção de um projeto de recuperação da área devastada.
(Foto: Sérgio Aspar/Divulgação/JC)