Angelo Poletto Mendes/Redação JC
Oriunda do manancial da Lagoa do Peri e potabilizada na estação de tratamento local, a água distribuída pela Casan para cerca de 90 mil pessoas residentes nas costas Sul e Leste da Ilha pode ser não ser tão potável quanto aparenta. Basta uma rápida examinada na fatura de água e esgoto elaborada pela própria estatal catarinense e entregue nas residências para perceber que algumas variáveis de qualidade do produto nem sempre atendem às normas exigidas pela legislação, tanto em relação às características físico-químicas (turbidez, cor e cloro residual), quanto bacteriológicas, que detectam a presença de microorganismos.
Após fazer um acompanhamento por oito meses da qualidade da água que abastece sua residência no Rio Tavares, tanto do ponto de vista das características relatadas pela companhia quanto na observação pessoal do produto, o engenheiro baiano Marco Antonio Silva Picanço decidiu encaminhar denúncia ao Ministério Público Estadual. Na peça recentemente protocolada junto ao órgão estadual, pede investigação e providências para resolver a recorrente deficiência na qualidade da água ofertada aos consumidores da região.
“Há tempos que venho notando turbidez e mau-cheiro; resolvi averiguar as contas e comecei a perceber também a incidência de coliformes fecais acima dos padrões toleráveis”, explicou o engenheiro, que reside no local há 15 anos. Segundo ele, os filtros de água para beber da residência precisam ser trocados com freqüência e as caixas d’água necessitam de higienização também freqüente. “Por causa disso, voltei a comprar água de bombonas para beber e filtro toda água usada para cozimento”, afirma.
A variável mais preocupante seria a presença recorrente de coliformes fecais acima do permitido, que pode indicar contaminação por esgotos domésticos. “A população que consome esta água esta em risco, não só pelos microorganismos testados, como a Eschrichia Coli, que indica contaminação por dejetos humanos, mas por outras patologias que tem como vetor dejetos humanos (rotavirus, hepatites e etc…). Este é um caso grave de descaso com a população e a saúde pública”, escreveu, em sua denúncia.
Picanço alega que a atual filtragem e subseqüente tratamento com cloro não seriam suficientes para exterminar os agentes patogênicos virais, colocando a população em risco, principalmente crianças, mais suscetíveis a estas doenças. O próprio uso de cloro, em níveis muito elevados, também representa sérios riscos à saúde. Embora seja econômico e mate muitas bactérias, inclusive vetores de doenças, sua reação com alguns agentes biológicos desencadeiam radicais livres no organismo, que são altamente cancerígenos.
Após examinar o material encaminhado pelo engenheiro, o bioquímico Marco Aurélio Ronchi, diretor do Laboratório Biológico, especializado na análise de águas e alimentos, assegura que a denúncia está muito bem fundamentada. “A água ofertada à região está realmente fora dos padrões”, assinalou. O bioquímico pondera no entanto que só mediante acesso a relatórios internos da Casan seria possível dimensionar o problema, através da verificação do efetivo grau de desvio dos parâmetros de qualidade. Numa rápida avaliação, ele atribui a deficiência à falta de instrumentos de tratabilidade, possivelmente decorrente do subdimensionamento da rede de abastecimento da região.
PROBLEMAS PONTUAIS – As eventuais deficiências na qualidade de água que abastece o Sul da Ilha são pontuais e decorrentes do próprio excesso de zelo da Casan com o produto ofertado à população local. A garantia é do engenheiro-químico José Luciano Soares, chefe do setor de Qualidade do Laboratório de Controle de Àgua da companhia catarinense. Segundo ele, se tivesse algo a esconder dos usuários, a própria empresa poderia omitir dados ou descartar aqueles auferidos abaixo dos padrões.
Um desvio de padrão relatado na fatura de água, explica ele, é muitas vezes decorrente de um problema pontual na rede. O simples conserto de um cano quebrado, exemplifica, pode acarretar eventualmente no ingresso de algum microorganismo na rede e, aparecendo na amostragem, resulta como inerente a toda região. Em relação à presença de coliformes fecais, ele alega que nenhuma água bruta, mesmo de poços profundos, é isenta desta bactéria, produzida por animais de sangue quente, mamíferos e aves, e não apenas humanos. A presença de apenas uma bactéria, mesmo que em mil amostragens, já caracteriza positivo para sua presença nos relatórios.
O engenheiro garante que a Casan tem uma preocupação constante com a qualidade de água que abastece a região. Os filtros da estação passam por lavagem diária e, a cada três meses, é feita a manutenção das comportas de captação e troca dos elementos filtrantes, além do controle de subprodutos de desinfecção, resultante da reação do cloro com matéria orgânica, apontado como cancerígeno. Além de análises em laboratório próprio, a Casan conta com serviços de um laboratório independente, contratado por licitação, para análises da qualidade da água fornecida para o Sul da Ilha.
(Foto: Milton Ostetto/Divulgação/Arquivo/JC)