10 de junho de 2015

SCHINKE lança livro-denúncia sobre reforma agrária em SC

O IRASC e a especulação imobiliária em Santa Catarina
Este livro do pesquisador Gert Schinke é um grande trabalho de investigação sobre a atuação do Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina (IRASC), órgão criado em dezembro de 1961, pelo Governador Celso Ramos, com o objetivo de ser uma repartição pública estadual destinada a coordenar eGOLPE DA executar atividades ligadas à reforma agrária em latifúndios, colonização de terras públicas, regularização de posses de agricultores, iniciativas que se somavam às medidas do Governador Brizola, do Rio Grande do Sul e que antecipavam as “Reformas de Base” propostas pelo Presidente João Goulart entre 1963 e 64.
Ao longo da obra, de redação clara, didática e direta, voltada ao grande público, mas sem perder em profundidade de análise, o autor – que é ambientalista, político independente e líder comunitário – faz uma dissecação desta importante ação governamental colocada em prática durante a Ditadura Militar. O que deveria ser um órgão voltado para realizar uma Reforma Agrária converteu-se em um órgão que intensificou a distribuição de títulos de terra para políticos da ARENA (Aliança Renovadora Nacional, partido que era uma linha civil de apoio aos militares), comerciantes, especuladores imobiliários, militares e demais participantes deum verdadeiro saque às terras públicas.
O trabalho de levantamento de fontes foi sério, lastreado por muitos dias de pesquisa no Arquivo Público do Estado, na imprensa e na legislação, baseado na análise dos títulos e dos indivíduos que os receberam. Chama a atenção para o número gigantesco e desproporcional de concessões de terras (77% das concessões), ocorridas entre 1966 e 1975, em regiões próximas do litoral do estado, principalmente na Ilha de Santa Catarina. É por isto que o autor tem a perspicaz definição de “antirreforma agrária”, por que foi isto de fato o que se praticou. Pouquíssimos títulos foram distribuídos ao Planalto e ao Oeste do Estado, regiões de notória presença de latifúndios.
O trabalho de Gert Schinke demonstra, com muita fundamentação empírica, que o litoral catarinense e particularmente a Ilha de Santa Catarina, sofreram um grande processo de “acumulação primitiva” tendo a terra se convertido em capital e passado das mãos de comunidades de agricultores e pescadores, para especuladores e “empreendedores” imobiliários. Este processo não é inédito, ocorreu em várias partes do país. Mas o que chama a atenção é a rapidez com que foi praticado e o período tão recente. O autor tem o cuidado de reconstruir os contextos de edição das Leis, mas leva em conta as condições políticas e as interpretações generosas que frequentemente se prestam as regulamentações que acabam por deixar grande margem de manobra de “interpretação” por parte de governantes e seus administradores de confiança.  As tabelas com várias listagens de títulos e proprietários estão dentro desta obra, para que o leitor tire suas próprias conclusões.
A obra é importante marco para o entendimento de uma relação dos políticos encastelados no poder do Estado e a população pobre litorânea que, apesar de conseguir regularizar alguns pequenos lotes pelo IRASC, perdeu o acesso a pastagens comuns e a uma suplementação de sua subsistência em terras públicas, apropriadas pelos apaniguados do aparelho de Estado. Mesmo lotes passados a pescadores e agricultores passaram a ser (ilegalmente) vendidos a imobiliárias e construtoras. Isto quando a apropriação já não ocorria ilegalmente em terras da União. Na esteira da ocupação das terras do litoral catarinense conseguimos vislumbrar a ação de um capital mercantil imobiliário sedento por mais territórios. Isto resultou na mudança radical da composição social das populações litorâneas (com a expropriação de pescadores e agricultores) além de um grande e crescente dano ambiental, paisagístico e memorialístico.
A Comissão Nacional da Verdade levantou vários crimes cometidos pela Ditadura, mas principalmente na esfera dos Direitos Humanos. Porém, a Ditadura cometeu outros atos tão ou mais violentos, principalmente na partilha irregular e apropriação ilegal de terras públicas. Os fatos mais conhecidos são na Amazônia e Centro-Oeste, da distribuição indiscriminada de terras públicas, avanços sobre territórios indígenas e de populações tradicionais. Com esta obra de Gert Schinke, vemos que este processo também aconteceu, com suas peculiaridades, em Santa Catarina. Trata-se de uma obra que ajuda muito a explicar o nosso tempo, nossos problemas urbanos, dificuldades de mobilidade, nosso aparente mal-planejamento urbano, a exclusão social e a criação de condomínios fechados, verdadeiras ilusões de paz e segurança, que escondem violência, ilegalidade e abusos.A situação fundiária de Santa Catarina, particularmente de seu litoral, é o resultado de um processo de apropriação privada que foi incentivada pelo Estado Ditatorial, herança maldita que ainda não conseguimos nos livrar.
(Texto: Prof. Paulo Pinheiro Machado – Depto de História – CFH/UFSC)