Uma questão bastante controversa e dolorosa é a eutanásia de animais. Como médico veterinário, em mais de 20 anos de profissão, cada morte é como se fosse a primeira, pelo profundo impacto que causa. A morte sempre vem carregada do sentimento de que houve um fracasso na tentativa de preservar a vida física.
Como não somos os donos da vida alheia, porque teríamos o direito de interrompê-la? Esta questão ainda se impõe mesmo sobre a espécie humana e o próprio Peter Singer já foi alvo de críticas e agressões ao discutir a eutanásia.
A morte do animal de companhia por si só já pode causar grandes alterações psicológicas nas pessoas, talvez por nos lembrar de forma clara e dura o quanto somos finitos, ou seja, encararmos a morte do animal amado nos lembra da nossa própria morte, da qual temos pavor.
Agrava-se este fato na nossa cultura ocidental materialista onde as questões da vida após a vida não fazem parte do nosso cotidiano. A morte como uma passagem não faz parte de nossa cultura.
Já presenciei muitos tutores de animais que rejeitaram veementemente a recomendação da eutanásia porque se diziam “contra” simplesmente e que o ser tinha que cumprir a missão ou evolução dele de forma natural. O que como médico vejo, é que morte natural pode ser lenta e dolorosa. Extremamente dolorosa. Que evolução seria esta?
Já realizei milhares de eutanásias e fui contra todas elas. Diz-se que se evolui pela dor e pelo amor, então acredito que todas as eutanásias que realizei foram por amor, exceto as criminosas que participei quando era estudante de medicina veterinária. Quando recomendo uma eutanásia, é porque todas as possibilidades médicas já foram tentadas, e quando realizo sempre penso que algum dia a medicina terá uma outra solução que não seja aquela. Os leigos, ao endeusarem falsamente os médicos e veterinários, na verdade não têm consciência do quão limitada ainda é a medicina.
Prefiro acreditar que a morte não seja uma coisa ruim para quem vai. A dor será de quem fica? O espiritismo e a conscienciologia, (cito estas duas porque são as únicas que conferem individualidade e senciência aos animais) ao atestarem a continuidade da vida, postulam que os seres amados podem sofrer após a morte porque presenciam o sofrimento e o apego de quem fica.
Temos diversas provas que os animais entendem, em diferentes graus, ou com distintas percepções, o que seja a morte e que demostram luto. Elefantes velam seus mortos com uma serenidade comovedora, primatas carregam seus filhotes mortos e mostram depressão no luto. Nosso antropocentrismo cego não nos deixa perceber mais as reações dos outros animais porque a morte deles na maioria das vezes não é importante para nós, aliás, vivemos da morte deles.
Um fato interessante, por mim presenciado muitas vezes é que, quando dois cães convivem e são muitos companheiros, se um sai a passeio ou ao veterinário, o outro fica extremamente ansioso e o procura pela casa e dentro do carro quando este não volta naquele momento. Porém, quando um cão vê o companheiro morto, este comportamento não é observado. Eles sabem o que é a morte. Pode parecer óbvio para muitos, mas a maioria não pensa nisto ao supor que a morte animal e a morte humana são coisas distintas, separadas por um abismo especista.
A eutanásia de um animal deve ser um procedimento extremo, quando não há mais condições de qualidade de vida, realizada com respeito, amor (num sentido bem amplo), medicamentos adequados, indolor e se alguém tem que sofrer nesta hora, que seja o responsável pelo animal. Vejo muitos animais sofrendo terrivelmente com doenças terminais graves porque o “dono” não tem condições de arcar com a própria dor e autorizar a eutanásia. O difícil para um médico veterinário nesta hora é não ter preconceito especista e entender que o tutor também precisa ter respeitado seu momento de abrir o coração e entregar o ser amado.
Leonardo Maciel |
Leonardo Maciel Andrade é graduado em medicina veterinária pela UFMG, com aperfeiçoamento em clínica e cirurgia pela UFMG. Mestre em clínica e cirurgia pela UFMG. Especialista em animais silvestres. Ex-parecerista dos comitês de ética da UFMG e PUC-MINAS. Sócio proprietário do Animal Center Hospital Veterinário, que recebe animais silvestres do tráfico e cativeiro clandestino. Co-fundador da Associação Bichos Gerais. Professor de clínica de animais silvestres da PUC-MINAS.
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