É assustador como as autoridades brasileiras gostam de imaginar que o povo não passa de um aglomerado de pamonhas, miseráveis sem cultura e sem voz. Se não pensassem assim, teriam, no mínimo, profunda vergonha em anunciar que o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), em negociações intermediadas pelo Banco Central do Brasil, está fazendo um empréstimo de R$ 2,5 bilhões ao Grupo Sílvio Santos para que este possa salvar o Banco PanAmericano da falência após uma suposta fraude também bilionária. Como é que o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional autorizam um empréstimo de R$ 2,5 bilhões a um banco falido, cujo valor de mercado é menor que a operação em questão, concede 10 anos para que o Grupo Sílvio Santos pague esse empréstimo, dá 3 anos de carência para que os pagamentos comecem (o que significa que só começará a ser cobrado em 2014) e onde sequer incidirão juros? Muito além de ser um escárnio nacional, é uma afronta aos milhões de cidadãos e aos empresários, microempresários e empreendedores individuais, molas propulsoras do desenvolvimento do país, que vivem mendigando apoio financeiro do governo e dos bancos e nada conseguem. Nossos economistas de plantão, tremendo de medo por estarem diante de uma megaoperação que envolve um dos maiores grupos de comunicação do Brasil, vão dizer que foi um negócio legal e que o magnata Sílvio Santos deu como garantia as 44 empresas de seu grupo, o que inclui o SBT, o Baú da Felicidade e a Jequiti. Mas trata-se de uma negociata nebulosa, envolta numa bruma com o objetivo de minimizar o evento e abordá-lo apenas como sendo da esfera privada. Mas há muito do setor público nessa negociação bilionária e que terá de ser urgentemente esclarecida. Caso contrário, corremos o risco de uma grave crise financeira tendo como base a suspeita de que outros bancos, assim como o PanAmericano, também estejam fraudando o sistema para maquiar a falência de suas contas. Outra explicação que o Banco Central tem obrigação de dar aos brasileiros é como autorizou, em julho desse ano, que a Caixa Econômica Federal, um banco estatal centenário, a comprar 49% do capital volante de um banco falido. Isso sem falar que a fraude que derrubou o Banco PanAmericano já tinha sido cometida. O BC e a CEF não detectaram isso? Ou detectaram, ficaram na moita e gastaram o dinheiro do povo para comprar uma porcaria? E se não perceberam o “pequeno erro” de bilhões, que garantias o Banco Central é capaz de dar à população de que outros bancos não estão à beira do abismo, prestes a ir à bancarrota? A suposta fraude promovida no Banco PanAmericano é de simples entendimento: o banco vendeu carteiras de créditos a outras instituições financeiras, mas mantinha esses créditos em sua contabilidade. Trocando em miúdos, diziam ter dinheiro a receber na praça que, na realidade, não tinham mais. A contabilidade do Banco PanAmericano era falsa, provocando um rombo maior que o patrimônio do próprio banco. Nesses casos, a legislação brasileira determina que o Banco Central faça uma intervenção na instituição, colocando-a em liquidação e seus administradores e controladores são obrigados a responder com seus próprios bens pela fraude contábil. No entanto, isso significaria bloquear os bens patrimioniais de Sílvio Santos, acionista majoritário e controlador do Banco PanAmericano. Isso sem falar no pente fino que a Receita Federal e a Polícia Federal teriam de fazer na instituição e, possivelmente, na holding. Diante disso, o que dizer da misteriosa visita do empresário ao presidente Lula no Palácio do Planalto, com uma maleta na mão, às vésperas da eleição, afirmando estar ali para pedir uma doação pessoal de R$ 12 mil ao Teleton? Silvio Santos não poderia ter feito isso por telefone? Ou o assunto era, na verdade, outro? Nas semanas seguintes era nítida a parcialidade, em favor da candidata governista Dilma Rousseff, assumida pelo SBT na cobertura da campanha presidencial no segundo turno, culminando com aquela famosa trapalhada da equipe de jornalismo que afirmou que o candidato José Serra e seus assessores estavam mentindo sobre ele ter sido atingido por um rolo de fita crepe e que, na realidade, tratava-se de uma bolinha de papel. O próprio presidente Lula comprou a falsa informações dada pelo SBT e disparou publicamente contra Serra. No dia seguinte, a Rede Globo e o jornal Folha de São Paulo desmentiram o SBT e apresentaram imagens que comprovavam a agressão sofrida pelo candidato do PSDB. Toda essa sucessão de fatos, permite que o cidadão comum desconfie (e muito) do que realmente aconteceu no gabinete oficial da Presidência da República na tarde daquela quarta-feira, 22 de setembro de 2010. Mas vamos sair da esfera especulativa. Durante o penúltimo debate entre os presidenciáveis, quando acusada por José Serra de estar privatizando o pré-sal, a presidente eleita Dilma Rousseff foi muito clara ao afirmar que havia dois momentos distintos: “antes e depois do pré-sal” e que “antes havia uma regra que valia para o petróleo de baixa qualidade extraído no Brasil”. Foi assim que ela tentou justificar o modelo estatizante do atual governo. O que dizer agora com relação ao Banco PanAmericano? Será que o governo viu no banco falido uma espécie de “bilhete premiado”, tal qual o pré-sal, justificando a estatização de 49% da instituição? Isso sem falar nos riscos que o governo corre, tornando o capital público (no caso a Caixa Econômica Federal) refém da parcela majoritária privada (o Grupo Sílvio Santos). Sem precisar dizer muito, podemos concluir que trata-se de irresponsabilidade e improbidade na administração do dinheiro público. O que pensará o miserável trabalhador brasileiro que passa a vida numa peregrinação para conseguir um empréstimo para comprar uma casa própria ou para montar seu pequeno negócio e, na maioria das vezes, sequer recebe a atenção dos gerentes dos bancos e das instituições dos governos? É simplório demais pensar que isso passará impune quando, todos os domingos, ele ver o magnata paulista em seu programa de TV, sacar dinheiro do paletó e jogar para a plateia bradando: “Quem quer dinheiro?!” Será que a humilhação e a falta de vergonha na cara estão definitivamente institucionalizadas no Brasil? (Helder Caldeira – Escritor, Colunista Político, Palestrante e Conferencista) www.magnumpalestras.com.br -heldercaldeira@estadao.com.br
12 de novembro de 2010