Angelo Poletto Mendes/Redação JC
Freqüentada por poucos surfistas até o final dos anos 80, a Praia do Campeche tornou-se ponto de encontro da galera das ondas a partir da segunda metade dos anos 90, atraindo surfistas de fora da Ilha e até do estado. Seu grande trunfo é a onda direita que quebra em frente ao chamado “pico do riozinho”. O lugar mereceu destaque em reportagem publicada na última edição da maior revista especializada no esporte do Brasil, a Fluir, que circula há 22 anos. A publicação impressa chamou atenção para a onda, que nos melhores dias seria “longa, rápida e tubular”, considerada “de qualidade internacional” e apelidada até de “Jeffrey’s Bay” brasileira.
O foco principal da reportagem, no entanto, não é dos mais honrosos para a comunidade do Campeche e para os próprios surfistas. Segundo a revista, a explosão demográfica que atingiu a região a partir do início dos anos 90, por conta do baixo custo de seus terrenos, trouxe uma “crowd” para o pedaço e, com ela, o contestado fenômeno do “localismo”, que consiste na reação agressiva de surfistas locais aos de fora. De acordo com a reportagem da Fluir, até os catarinenses Teco Padaratz e Everaldo “Pato” Teixeira já teriam enfrentado problemas com os locais. Surfistas locais divergem, no entanto, em relação ao fenômeno.
“Acho que o localismo não tá com nada, só denigre a imagem do Campeche”, opina o surfista Adilson Loth, o Tocha. “Costumo surfar com o meu filho também em outras praias e sempre sou bem recebido; acho que deve ser por aí”, arremata. Já o presidente da Associação de Surfe do Campeche, Ataíde Silva, nega que exista o “localismo” denunciado pela revista. “É balela, papo furado”, diz. Para ele, os problemas que acontecem na praia seriam, em geral, provocados pelos de fora, conhecidos como “haoles”, e não os habitantes. O presidente da associação alega que muitos surfistas vindos de fora costumam disputar as ondas com os locais de forma agressiva e desrespeitosa.
Conforme ele, muitos “rabeiam”, na gíria do surfe, ou seja, invadem a onda quando outro está pegando o pico. Também são comuns, segundo ele, casos de surfistas que não cedem a vez depois de pegar a onda. Ataíde afirma que muitos dos conflitos ocorrem entre um “haole” e outro e a repercussão acaba atingindo o Campeche. Ele diz que esse é um problema generalizado hoje no mundo do surfe, não uma questão do Campeche. “A geração mais antiga tem uma noção de respeito, camaradagem, mas o pessoal mais novo não é assim”. O próprio fato de revistas como a Fluir destacarem a onda do Campeche, avalia Ataíde, acaba contribuindo para tornar o lugar cada vez mais disputado e piorar o problema. “Você chega a ter 140 pessoas na água brigando pelas mesmas ondas”.
Ele lembra que começou a surfar na região ainda nos anos 70 e nessa época havia no máximo quatro ou cinco pessoas. “Saem essas matérias destacando a Ilha, a tal qualidade de vida, que não é bem verdade, e vem todo mundo para cá”. Ataíde destaca que a associação do Campeche desenvolve também um trabalho social, com a realização de diversos torneios filantrópicos, além de se preocupar com o próprio comportamento das pessoas que freqüentam a praia. “A gente não permite que o cara fique fumando baseado na frente das crianças, como já aconteceu”, assinala.
Além do Campeche, a reportagem da Fluir aponta mais duas praias brasileiras onde o fenômeno do localismo aconteceria de forma exacerbada: Atalaia, em Itajaí, e Quebra Mar, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. No exterior, são apontadas como praias difíceis de surfar para os não-locais as ilhas do Hawaii e Canárias, além das praias de Cabo Blanco, no Peru, e Lunada Bay, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. (Foto: Luís Prates/Mafalda Press/Divulgação/JC)